quinta-feira, 11 de junho de 2015

166 O PATO DEPENADO

166 Viciado em jogo de cartas, Nei Parada Dura estava jogando a dinheiro no porão da casa da dona Otília, ao lado do Bar do Aristides, quando foi escolhido para ser o “pato” da noite. Os demais jogadores começaram a fazer cruzeta para o Chico Costa lavar a burra, o que acabou acontecendo. Jones Cunha cantou a pedra:

– Porra, Nei, os caras estão dispostos a fazer você perder até as calças. Sai dessa roubada enquanto é tempo...

Nei Parada Dura não deu a mínima. Umas oito partidas depois, ele já havia perdido até o dinheiro do táxi. Saiu da mesa completamente liso.

– Eu não te falei que você ia perder até as calças? – insistiu Jones Cunha.

– Pois é, só faltou isso... Mas como esses safados me alisaram, eu vou pra casa pelado pra aprender a não me meter com um bando de ladrões!

Aí, tirou a calça, a camisa e a cueca, fez um embrulho, colocou embaixo do braço e saiu da casa de dona Otília só de sapato. E foi andando desse jeito até a sua casa, localizada no final da Rua Duque de Caxias, lá na Praça 14.

170 JUTICA, O BRILHO DA TERRA


Abril de 1999. Na companhia de Jones Cunha, eu e o fotógrafo Frank Sena viajamos até Tefé para fazer uma matéria jornalística sobre uma suposta invasão de terras particulares promovida pelo prefeito Hélio Bessa na zona rural do município.

Interessado em aumentar o número de eleitores de Tefé, onde seria candidato a reeleição, Hélio Bessa estava convencendo um grande número de famílias de agricultores de Alavarães a se transferir para o seu município, com promessas de doação de lotes de terra, sementes e implementos agrícolas.

O castanhal Jutica, que pertencia a família de Jones Cunha há mais de seis décadas, era um dos alvos escolhidos pelo prefeito.

Descemos em Tefé no final da tarde de uma sexta-feira e ficamos hospedados no Hotel, Bar e Restaurante Panorama, no centro da cidade.

Por volta das 20h, quando nos dirigimos ao restaurante para jantar, encontramos Orlando Carioca, que estava morando na cidade há dois meses, comandando uma equipe de perfuração de poços artesianos por conta de um convênio da Prefeitura.

O grande pajé branco estava hospedado no mesmo hotel.

Solícito como sempre, Orlando nos levou para o melhor cabaré da cidade, o Bar Renascer (aka “Casa das Gueixas”), onde já era cliente preferencial.

O grande pajé branco continuava em boa forma.

No boteco, conhecemos duas vendedoras de assinaturas da revista IstoÉ, uma goiana meio recatada e uma baiana arretada de boa, e ficamos conversando amigavelmente, enquanto eu e Jones decidíamos qual das duas escolheríamos pra rebocar pro hotel.

Frank Sena aproveitou o vacilo para fazer meia dúzia de fotografias de nós dois em pré-colóquio amoroso com as vagabundas.

Saímos do pardieiro de madrugada, completamente bêbados, mas bem acompanhados.

Deixamos a cidade na manhã de sábado, em uma pequena lancha fretada pelo Jones, e chegamos ao castanhal do Jutica por volta do meio dia.


Assim que a embarcação parou no porto, os peões da casa grande desceram o íngreme barranco e nos ajudaram a levar nossas tralhas e os mantimentos (cachaça, uísque, embutidos, enlatados, pães, bolachas e cereais) para o terreiro da residência.

Toda feita em madeira de lei, a casa grande possuía cinco imensas suítes com ar condicionado, uma imensa sala de estar, uma imensa sala de jantar, uma imensa cozinha e estava repleta de móveis, pratarias e eletrodomésticos de todos os tipos.

A luz elétrica era fornecida por um potente gerador localizado no quintal, a uma distância suficiente para seu ronco não ser ouvido dentro da casa.

A água encanada vinha de um poço artesiano.

Uma antena parabólica acoplada a um televisor de 42 polegadas garantia o contato com o mundo externo.

Era um autêntico hotel cinco estrelas no meio da selva.


A imponência da casa em estilo colonial contratastava com as miseráveis casas de madeira existentes no entorno.

Eram cerca de 30 famílias, que viviam, basicamente, da coleta de castanha.

O castanhal tem 13 mil hectares e está praticamente intacto.

Ele é cortado pelo cristalino igarapé do Jutica.

A idéia do Jones era transformar a área em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), mas a burocracia do Ibama já havia lhe tirado do sério.

O prefeito Hélio Bessa estava se aproveitando do impasse para assentar seu eleitores no local, na maior cara dura.

As duas primeiras tentativas de invasão, ocorridas em janeiro, foram abortadas por Jones e seus peões na base da bala.

O prefeito estava programando uma terceira tentativa para aquele mês de abril.

Era essa que a gente ia documentar.

Jones nos apresentou a Carlos Russo, um caboclo baixinho e engraçado, que era uma espécie de seu secretário informal.

Casado e pai de seis curumins, Carlos Russo havia sido nomeado padre ad hoc da comunidade pela igreja católica.

Ele celebrava suas missas nos domingos pela manhã.

Quando não estava no papel de padre, ele também era vigia, cozinheiro, piloto de voadeira, bombeiro hidráulico, marceneiro, eletricista, pescador e barman da casa grande.

Seguindo as ordens de Jones, Carlos Russo foi preparar nosso almoço (uma caldeirada de tambaqui) e três litros de “caipirinha do Jutica” (mel de abelha no lugar do açúcar e folhas de hortelã em vez de casca de limão).

Fiquei meio cabreiro ao perceber que a caldeirada não tinha uma única verdura.

Nem sombra de tomate, cebola, pimentão ou coentro.

– Porra, Frei Russo, não dava pra arranjar pelo menos umas duas folhas de chicória ou um maço de cebolinha e cheiro verde? – ironizei. “Não é possível que nenhuma dessas casas tenha uma horta com plantação de cheiro verde...”

– Bicho, pra viver aqui, eles só precisam de sal, pólvora e óleo diesel! – explicou Jones. “Eles não produzem porra nenhuma porque a natureza é farta. Ela dá tudo que eles precisam. Pra comer peixe, basta ter sal e farinha, que eles arrumam trocando por castanha. Vão perder tempo fazendo horta pra que?...”

– E essa folhas de hortelã na caipirinha? – insisti.

– É de um pé que eu plantei aí atrás da casa! – avisou Jones. “Eu também plantei um pé de cidreira e outro de capim santo e, de vez em quando, eles vêm me pedir algumas folhas pra fazer chá. Mas, eles mesmos não plantam porra nenhuma!”

– Porra, Jones, essa história de que o caboco amazônico é preguiçoso por natureza sempre me pareceu uma grande lenda urbana... – provoquei.

– Lenda urbana, um caralho, meu irmão! Isso é real! Isso é real! – exasperou-se o nosso anfitrião.

Depois do almoço e de termos derrubado os três litros de caipirinha, Jones resolveu nos dar uma aula prática sobre o que havíamos acabado de discutir.


Ele pediu ao Frei Russo que abastecesse uma das voadeiras com óleo diesel e pegou em uma das dependências da casa duas espingardas, uns doze cartuchos, um facão e uma tarrafa.

Nós quatro (eu, ele, Frank Sena e Frei Russo) embarcamos na voadeira, cruzamos o rio Solimões exatamente em frente ao castanhal do Jutica e entramos no Lago do Guariba.

Com quinze minutos de exploração, Jones já havia abatido meia dúzia de aves (pato do mato, marreco, maguary, mergulhão, o diabo a quatro).

O sacana tem uma mira de atirador de elite porque cartucho, naquela região, vale ouro.


Paramos o barco próximo de um aningal para beber algumas doses de uísque e Jones deu três lances de tarrafas.

Pegou dezenas de peixes (tucunarés, carás, pescadas, bodós, piranhas).

Aquilo era mais fácil do que pescar em bilha.


Ele então pediu que Frei Russo nos levasse de volta ao castanhal.

A viagem toda não durou 45 minutos.

– Aqui tem proteína animal para alimentar aquelas famílias durante dois dias! – explicou Jones. “Como eles não possuem geladeira, não podem fazer grandes estoques de peixes ou de carnes. Então, alguém tem que fazer isso todo dia. Foi por isso que te falei: basta ter óleo diesel, cartucho e sal. Se não tiver óleo diesel e cartucho, eles ainda assim podem pescar de canoa. Vão criar galinha pra que? Vão fazer horta pra que? A única coisa que eles precisam é de farinha...”


Jones separou pra gente um maguary e alguns tucunarés e pediu que Frei Russo distribuísse o restante da “feira” entre os moradores.

A comunidade ficou alvoroçada com a farta distribuição de proteína animal.

Jantamos “maguary a cabidela”, preparado pelo próprio Jones, que também fez um delicioso “baião de dois”.

Passamos o resto da noite se embriagando com uma nova fornada de caipirinha do Jutica preparada pelo nosso afável padre, que também se mostrou um excelente contador de causos.


Acordei no domingo por volta do meio dia, com uma ressaca de ternanteontem.

A mesa do almoço já estava posta: tucunaré a escabeche, tucunaré frito e tucunaré cozido, arroz branco, pirão, feijão de praia e farofa de calabresa.

Limitei-me a comer um sanduíche de patê de fígado e a tomar litros e litros de suco de jenipapo.

Jones e Frank Sena haviam saído de barco para fotografar os coletores de castanha no coração da floresta.

Os dois retornaram por volta das 13h.

Almoçamos e fomos assistir ao jogo Brasil e Zâmbia, pelo campeonato mundial Sub 20.

Querendo curtir com a minha cara ou querendo ficar doidão, sei lá, Frei Russo fez uma aposta comigo completamente idiota: a cada gol da Zâmbia, eu deveria tomar um copo inteiro de uísque puro, sem gelo.

A cada gol do Brasil, ele tomaria um copo inteiro de cachaça.


Com dez minutos de jogo, o filho da puta do Sinkala fez 1X0 pros africanos e tive que ingerir um copo de uísque no estilo cowboy.

Quase que devolvo o escabeche de tucunaré, o sanduíche de patê de fígado e o suco de jenipapo.

Ronaldinho Gaúcho empatou o jogo aos 27 minutos e foi a vez de Frei Russo tomar seu copo de cachaça.

Ele ainda estava se recuperando do primeiro copo, quando Fábio Aurélio fez 2X1.

Teve que encarar o segundo copo e já ficou meio grogue.

No segundo tempo, Fernando Baiano fez 3X1.

Frei Russo começou a chamar Jesus de genésio, cair pelo chão e não falar coisa com coisa.

Mancini aumentou pra 4X1.

Frei Russo começou a entrar em coma alcóolica.

Rodrigo Gral fez 5X1.

Frei Russo bebeu o quinto copo de cachaça e simplesmente apagou no meio da sala.

Acordou, todo urinado e vomitado, na hora em que estava começando o Fantástico.

Eu já estava no meu quarto lendo um livro.


Jones chamou alguns peões para carregarem o religioso para casa, depois que ele tentou ir sozinho, caiu numa poça de lama e quase morreu afogado.

Ele foi levado nos ombros do musculoso Zé Arigó, um dos seguranças da casa grande.

Frank Sena ficou tão penalizado que não quis fotografar a presepada do padre.

Ainda passamos mais dois dias no Jutica, mas Frei Russo nunca mais apareceu na casa grande.

Na quarta-feira, a lancha fretada foi nos buscar.

Na cidade de Tefé, ficamos sabendo que o prefeito Hélio Bessa havia abortado a nova invasão e viajado pra Manaus.


Aparentemente, ele soube que havia dois jornalistas de Manaus no município para documentar a presepada e não quis pagar pra ver.

Desconfio que o Orlando Carioca teve participação direta na história.

Nos despedimos do Jones e voltamos pra Manaus.

Uma semana depois, Frank Sena passou na redação da revista Amazônia 21 e deixou as fotos da expedição com a minha cara metade.

Inocente, puro e besta, ele esqueceu de deletar as fotos em que uma das vagabundas da IstoÉ aparecia sentada no meu colo.

Deu uma encrenca federal, mas isso é outra história.


Ah, propósito: há dois anos, Jones Cunha lançou o livro Jutica, o brilho da terra, em que conta a história da conquista do castanhal pelos seus antepassados.

Eu recomendo.

173 A PÉ-DE-CANA DE MARGARITA

173 Dezembro de 2004. O juiz aposentado Cesar Bandeira, acompanhado da esposa, desembargadora Graça Figueiredo, do filho do casal, o adolescente Lucas, e de sua sogra, dona Magnólia Figueiredo, comanda uma expedição motorizada em direção à Ilha de Margarita, na Venezuela. No comboio, entre outros, estão o jornalista Mário Adolfo e o advogado Fernando Prestes. 

Com cerca de mil quilômetros quadrados e mais de 200 quilômetros de praias, a Ilha de Margarita é uma das melhores opções para quem quer fugir da sofisticação e do modismo de Cancun, Aruba e Curaçao.

Em suas belíssimas praias, algumas selvagens, como as de Punta Arenas, e outras badaladas, como a Playa El Agua, pode-se encontrar a animação do povo margaritenho ao som de merengue ou salsa e bons pratos com frutos do mar, pescados e lagostas. 

Como é Porto Livre desde 1972, a Ilha de Margarita oferece uma série de produtos 50% mais baratos do que os free shoppings dos aeroportos, o que inclui todo tipo de bebidas, cigarros, eletrônicos, bugigangas chinesas e indianas, calçados, surf wear e roupas de grifes internacionais.

O adolescente Lucas Bandeira, que passou a dividir um quarto de hotel com dona Magnólia, era um emérito colecionador de rótulos de bebidas e, quando chegou à ilha, se sentiu no paraíso. Os cassinos, bares e restaurante possuíam um inacreditável sortimento de bebidas importadas.

Diariamente, ele comprava dezenas de bebidas de todos os tipos – uísque, vodca, gim, pisco, tequila, armagnac, conhaque, grappa, kirsch, saquê, licores, o diabo a quatro – jogava o líquido fora e, com auxílio de água morna, punha-se a retirar os rótulos das garrafas para aumentar seu acervo, estimado em mais de 15 mil rótulos diligentemente encadernados em centenas de álbuns de fotografia.

No dia seguinte, as camareiras ficavam embasbacadas com a quantidade de garrafas de bebidas vazias enfileiradas pelo quarto. Como o moleque Lucas não tinha a menor pinta de bebum, aquele estoque de bebidas só podia estar sendo detonado por aquela simpática senhora que dividia o quarto com ele, concluíram as camareiras.

A fama de dona Magnólia correu pelo hotel. Todo mundo queria conhecer aquele verdadeiro fenômeno: uma senhora já idosa capaz de detonar diariamente 20 garrafas de bebidas de todos os tipos e no dia seguinte amanhecer lúcida, alegre e bem disposta, como se nada tivesse acontecido.

Quando deixou a Ilha de Margarita pra retornar pra Manaus, cerca de 158 garrafas vazias depois, dona Magnólia teve que distribuir autógrafos para todos os funcionários do hotel, sem exceção. Ela só veio descobrir o motivo daquela fama repentina quando já estava na capital amazonense.

178 BRIGA DE MARIDO E MULHER


Agosto de 1984. O boêmio Nei Parada Dura estava indo pra casa depois de uma farra no Bar Xorimã, quando viu um sujeito espancando violentamente uma mulher em plena Avenida João Alfredo (atual Djalma Batista). Como era de madrugada e a avenida estava completamente deserta, o sujeito ia acabar matando a mulher se ninguém acudisse.

Apesar de estar bêbado, Nei estacionou o carro, desceu e já foi pagando geral:

– Deixa de ser covarde, filho de uma égua! Vem bater num macho igual a ti!

Antes que o sujeito percebesse o que estava acontecendo, Nei já havia lhe dado um tapão no pé do ouvido e uma rasteira. O cabra se desmanchou no chão.

Ágil como um gato, Nei Parada Dura caiu em cima do sujeito e quando ia começar a lhe quebrar a venta, recebeu um duro golpe de mangará de banana no meio das costas. Ele se virou pra trás pra saber o que estava acontecendo.

Desferindo novos golpes de mangará contra ele, a mulher não parava de gritar:

– Para de bater no meu marido, nego safado! Para de bater no meu marido, nego safado!

Nei Parada Dura ficou injuriado.

– Ah, aquele escândalo todo que vocês dois estavam fazendo na rua era briguinha de casal, é? Pois agora os dois vão entrar na porrada pra aprenderem a não fazer palhaçada em via pública!

E encheu de porrada o marido e a mulher.

Depois, entrou no carro e foi embora, com a certeza do dever cumprido.

terça-feira, 2 de junho de 2015

181 É PAU, É PEDRA, É O FIM DO CAMINHO


Giovane Gigio, Lúcio Preto e Simão Pessoa

Outubro de 1976. O poderoso Murrinhas do Egito, dirigido pelo Mestre Louro, vai enfrentar uma das sensações do Peladão, o Íris Internacional, também da Cachoeirinha, no campo do Comando da Polícia Militar, em Petrópolis.

O time do Íris Internacional contava com três moleques fora de série, que faziam a diferença: Ricardo Guerreiro (aka “Tostão”), Junior Perturbado (um dos melhores craques do Amazonas em todos os tempos) e Sildomar Abtibol (futuro jogador profissional do Nacional e depois vereador de Manaus).

O trio era responsável por 80% dos gols do time e jogavam quase que movidos por música, como se fossem uma sinfonia de Beethoven onde tudo se encaixava no lugar apropriado. Dava gosto ver aqueles sacanas jogando.

O time ainda contava com o talento de Vladimir Brother e Paulo Ribas.

Com quinze minutos de jogo, o Íris Internacional já fez 1 a 0 (gol de falta de Sildomar), já carimbou o travessão do Murrinhas do Egito duas vezes (chutes de Junior Perturbado) e obrigou o goleiro Gato a fazer uma defesa milagrosa, num chute enviesado de Tostão.

Aliás, o moleque de apenas quinze anos está tirando o sono da defesa. Tostão dribla, se desloca, corre, divide, faz o diabo a quatro.

A torcida do Murrinhas do Egito começa a exigir uma marcação mais forte em cima do endiabrado centroavante.

O quarto-zagueiro Lúcio Preto se encarrega da tarefa.

No primeiro “rabo de vaca” que leva, Lúcio Preto consegue correr atrás do moleque e, numa entrada violenta, o joga em cima do alambrado.

A torcida do Íris Internacional só falta entrar em campo para chacinar o carniceiro.

O juiz adverte verbalmente o zagueiro. Tostão passa cinco minutos recebendo atendimento médico e retorna ao campo.

Na primeira bola que recebe, ele dá um balãozinho em Lúcio Preto e dispara em direção à área. 

O quaro-zagueiro consegue correr atrás do moleque e, em nova entrada violenta, quase quebra as duas pernas do centroavante.

Tostão cai no chão, urrando de dor.

O juiz se aproxima com a intenção de puxar um cartão amarelo.

Capitão do time, Lúcio Preto argumenta que se tratou apenas de um choque normal entre pessoas de compleição físicas diferentes: Tostão tem apenas 15 anos, ele tem mais de 30.

O juiz guarda o cartão amarelo.

O jogo recomeça. Tostão recebe uma bola de costas pra área, faz que vai passar pra Junior Perturbado, que está entrando pela direita, mas recolhe a bola em um meio giro, fica de frente pro crime e dá um simples tapa no canto esquerdo do goleiro Gato. É o suficiente. Íris Internacional 2 a 0.

Falta pouco mais de dois minutos para acabar o primeiro tempo. Sildomar ganha uma bola no meio do campo, toca para Junior Perturbado, que lança Tostão na ponta esquerda.

Lúcio Preto vai em direção ao centroavante e mete uma “voadora” quase mortal. Tostão cai no chão, se contorcendo de dores.

O juiz puxa o cartão amarelo e corre em direção ao zagueiro que, fingindo uma contusão, também se contorce no chão.

Na mesma hora, entra em campo o major Paulo Ferreira, oficial do dia, com uma arma já engatilhada, que também corre em direção ao Lúcio Preto e avisa, peremptório:

– Escuta aqui, ô bonitão! Se você se aproximar desse guri mais uma vez, eu vou te dar dois tiros no joelho e te prender por trinta dias!

O juiz encerra o primeiro tempo. Lúcio Preto não voltou para o segundo tempo, com medo de ser preso.

O Íris Internacional ganhou de 3 a 1 do Murrinhas do Egito, com outro gol de Tostão no segundo tempo.

O moleque era foda.

183 O MÁRIO GORDINHO É FODA!

O engenheiro Paulo Caramuru convidou a Seleção Amazonense de Masters para fazer um amistoso de futebol contra a Seleção da Eletronorte, onde ele jogava de volante e era o treinador. Fechando gol do time dos eletricitários, o imprevisível Juarezinho Tavares.

No dia combinado, com as duas seleções já fazendo o aquecimento dentro de campo, Juarezinho chamou Paulo Caramuru e cantou a pedra:

– Aquele número dez, eu conheço! Aquele é o Mário Gordinho! Não deixa ele chutar, porra, não deixa ele chutar, que ele é foda!

Mal o jogo começou, o ponta direita da Seleção de Masters, o endiabrado Camarão, driblou o lateral esquerdo Nelsinho, foi até a linha de fundo e cruzou dentro da área. O volante Paulo Caramuru subiu mais alto do que todo mundo e cabeceou a bola com violência lá para a intermediária.

Mário Gordinho, que estava plantado na intermediária, nem deixou a bola cair no chão. Do jeito que ela vinha, ele deu uma “chinelada” com tanta força, que a bola entrou no ângulo, bateu na rede e voltou pra fora da grande área.

O goleiro Juarezinho, que havia ficado parado embaixo da trave sem esboçar nenhuma reação, saiu de seu estado de rigidez cadavérica em direção a Paulo Caramuru, aos gritos, completamente transtornado:

– Eu não te falei, porra! Eu não te falei, porra!

Antes que Paulo Caramuru esboçasse qualquer reação, Juarezinho já estava tirando a camisa de goleiro, entregando pro técnico e saindo de campo.

Ele é que não ia ser desmoralizado daquele jeito. O Mário Gordinho é foda!

184 SUFOCO DE UM GALO CARIJÓ


Giovane Gigio, Ronaldo Redman e Simão Pessoa

Em 1974, o Murrinhas do Egito acabou entre os 64 melhores times do 2º Peladão e conquistamos dois prêmios: Silene, minha irmã, foi a primeira Rainha do certame, e Áureo Petita, o “Craque do Ano”.

Com apenas 20 anos, Áureo recusou vários convites para se profissionalizar e disputar o campeonato amazonense de futebol.

Continuou defendendo vários times no Peladão e participando do campeonato amador pela equipe do Náutico.

Em 1981, o Peñarol, de Itacoatiara, que desde o ano anterior disputava o campeonato profissional amazonense, recrutou alguns jogadores em Manaus para reforçar sua equipe.

Entre os convocados, foram alguns craques amadores do Murrinhas do Egito, da Cachoeirinha, e do Canarinho, de Petrópolis: Lúcio Preto, Nego Irineu, Tobias, Paulo César e Áureo Petita.

Jogando de meia-esquerda, Áureo logo conquistou a torcida do município. Seu entendimento com o centroavante Índio lembrava a dupla Pelé-Coutinho.

O Peñarol estava fazendo uma das melhores campanhas da história, quando os dirigentes dos times da capital resolveram melar a competição.

O Fast Clube, que havia perdido para o Peñarol, descobriu que Áureo ainda era jogador do Náutico e que, por ser amador, não poderia disputar o campeonato de profissionais.

Os pontos perdidos em campo foram reconquistados no Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) e Áureo pegou 60 dias de suspensão.

Os torcedores do Peñarol ficaram revoltados.

Derrotado pelo Nacional, o Peñarol teria de vencer o Rio Negro, em Itacoatiara, ou seria eliminado do quadrangular do 1.º turno e o Fast, que estava fora, entraria por meio do “tapetão”.

A Velha Serpa se preparou para a guerra.

Chefe da torcida do Rio Negro, o atual chefe de Segurança da CMM, Enédio Negreiros, procurou o motorista Ronaldo Redman.

– Ô, negão, tu não quer ganhar um troco?

– Pra quê? – os olhos de Redman brilharam.

– Pra dirigir o ônibus do Rio Negro até Itacoatiara!

Depois de pensar um pouco, Redman aceitou a missão, cobrou um determinado valor pela tarefa, Enédio topou e ficou de lhe passar a grana quando a delegação chegasse na Velha Serpa.

O ônibus era uma “lata velha”, comprido que nem vara de bater pecado, com câmbio do tipo “alavanca suporta-sovaco”. Não desenvolvia mais de 60 km/h.

Em uma manhã de domingo, no horário combinado, Redman assumiu o cockpit da “lata velha”.

Começaram a entrar no ônibus os jogadores, a comissão técnica, os dirigentes e nada do Enédio. Pelo retrovisor, Redman tentava localizar o amigo. Nada.

Lá atrás, em um dos bancos, estava um galo gigantesco, de mais de dois metros de altura, usando o uniforme do clube.

Redman ficou apreensivo. Sem Enédio na parada, de quem ele iria cobrar pela viagem, já que não conhecia ninguém? Pensou em desistir.

Depois, achou melhor fazer o serviço, e, quando retornasse a Manaus, se acertaria com o amigo.

Os jogadores começaram a vestir o uniforme dentro do ônibus e Redman meteu o pé na estrada.

Chegaram ao estádio Floro de Mendonça dez minutos antes da partida começar.

Uma multidão de torcedores do Peñarol aguardava pelo time inimigo, do lado de fora do estádio, formando um imenso corredor polonês na entrada do túnel destinado aos visitantes.

Os jogadores desceram do ônibus correndo e, enquanto atravessavam o corredor polonês, iam recebendo pescoções, chutes na bunda, cusparadas, dedadas e xingamentos desmoralizantes.

O gigantesco galo carijó, andando com as pernas meio abertas, por causa dos esporões de quase 20 centímetros, o que lhe dava um estranho gingado de urubu malandro, foi o último a sair do ônibus.

Quando ele colocou o bico pra fora da porta, um torcedor adversário deu-lhe um murro no meio da fuça. Foi um soco tão violento que esbagaçou o bico do galináceo.

O gigantesco galo carijó caiu de cu-trancado na escada do ônibus e depois embicou no chão. Alguém gritou:

– Pega o galo e pela e joga na panela...

A multidão enfurecida avançou em cima do infeliz. Em vez de entrar no ônibus e trancar a porta para se proteger, o galo carijó, ainda grogue, se levantou do chão e desembestou a correr em direção à saída da cidade, sendo perseguido por mais de cem torcedores armados de mangarás de banana e galhos de cuieira.

No estádio, a partida era interrompida a cada cinco minutos por causa de invasão de campo.

Os torcedores do Peñarol quebraram mais de 200 ovos podres na cabeça dos jogadores rionegrinos e infernizaram a vida do goleiro com morteiros de três tiros.

O Peñarol ganhou de 2 a 1, gols do centroavante Índio e do ponta direita Erasmo para o time da casa, e Raulino para os visitantes.

No retorno do time, um dos dirigentes estranhou a ausência do mascote do clube, que sequer havia entrado em campo. Redman relatou o ocorrido. Pediram que ele metesse o pé na estrada, para resgatar o infeliz.

O galo carijó foi encontrado correndo na rodovia AM-010, dessa vez sendo perseguido por cachorros e crianças armadas de baladeiras, já cruzando o município do Rio Preto da Eva.

Pelo buraco na cara do galináceo, onde antes havia um bico, Redman reconheceu Enédio Negreiros, pálido que nem um defunto e a ponto de colocar os bofes pela boca.

O motorista ficou com tanta pena do galo maratonista que parou o ônibus, embarcou o galináceo, continuou dirigindo a “lata velha” até Manaus e não cobrou um centavo pelo serviço. Enédio lhe deve essa cortesia até hoje.

185 O APLICADO CHAPOCA


Outubro de 1974. Estudante de Direito na FUA, Francisco Sobrinho, hoje delegado civil aposentado, assumiu o cargo de treinador do Areal, de Santa Luzia, que fez uma campanha admirável no 2º Peladão.

Empolgado com aquele fraseado típico dos cursos de ciências jurídicas, Sobrinho começou a utilizar aquele linguajar rebuscado para passar as instruções táticas para o seu plantel.

Quem mais sofria com aquilo era o habilidoso ponta direita Jaime (aka “Chapoca”), ainda um simples estudante do curso supletivo do 1º grau.

Depois de escalar a equipe e conversar particularmente com cada atleta, ele reunia os atacantes do time (Chapoca, Mário Gordinho, Tom e Ironilson) para as instruções finais:

– Jaime, meu filho, você é peça fundamental no nosso time! – explicava o treinador. – Na hora em que o Mário Gordinho fizer o overlapping com o Tom, o Ironilson vai ser o nosso ponto futuro. Então, você corre pela lateral do campo, mas evita entrar em diagonal ou fazer a triangulação. No máximo, você vai cair pela perpendicular e cruzar na área. Porque na hora que o Tom entrar na diagonal, quem passa a ser o ponto futuro é o Mário Gordinho e aí você faz o overlapping com o Ironilson, entendeu?

– Perfeitamente, doutor Sobrinho! – respondia Chapoca, sem muita convicção.

Na hora em que o time entrava em campo, Chapoca se aproximava timidamente de Mário Gordinho e abria o coração:

– Égua, Mário, eu não entendi porra nenhuma do que o nosso treinador falou...

– Ele pediu pra você driblar o lateral esquerdo, ir na linha de fundo e cruzar pra dentro da área! – explicava Mário Gordinho.

– Ah, é só isso? – devolvia Chapoca, meio incrédulo.

Quando a partida começava, o ponta direita se encarregava de acabar com o jogo. Transformava qualquer lateral esquerdo em “joão”, metia quinze, vinte, trinta bolas dentro da área e Ironilson, Tom e Mário Gordinho se encarregavam do resto.

O técnico Francisco Sobrinho, rindo com as paredes, elogiava para o jogadores reserva a aplicação tática de Chapoca.

No jogo seguinte, o ritual se repetia de novo.

186 MONTADO NA BABA


Novembro de 1987. O cantor Nelson Gonçalves estava se apresentando no Salão dos Espelhos do Atlético Rio Negro Clube em um show intimista para a elite da cidade, já que o preço das mesas estava custando os olhos da cara.

Em uma das mesas de pista, o bicheiro Ivan Chibata, acompanhado de Milka Albuquerque e um casal de amigos, apreciava o espetáculo degustando um litro de uísque Royal Salute.

De repente, sem parar de cantar “A Volta do Boêmio”, Nelson Gonçalves começa a ir de mesa em mesa para dar seu autógrafo em capas de discos, cadernos, relicários e até mesmo em lenços de papel, que eram providenciados às pressas pelos solícitos garçons.

Quando o cantor se aproximou da mesa do bicheiro, Ivan Chibata meteu a mão no bolso da calça, tirou uma pacoteira de notas de mil cruzados estalando de novas, retirou um “machadão” (na época, a cédula circulante de maior valor do mercado) e estendeu a Nelson Gonçalves, para que ele autografasse.

O cantor parou de cantar e sapecou no microfone:

– Estás montado na “baba”, vagabundo!

Aí, retomou a cantoria, enquanto colocava seu autógrafo na cédula.

O salão inteiro caiu na maior gargalhada.

187 JOGO DURO


Março de 1985. O vagabundíssimo time do Estrela do Mar, do Paulo Cabeça, que trabalhava como supervisor técnico do CQ da Semp-Toshiba, arrumou um jogo contra o Flamenguinho da Ilha da Paciência e ele me convidou para reforçar seu esquadrão na posição de cabeça de área.

Eu já conhecia o entrosado time do Flamenguinho. E também conhecia o elenco de pernas-de-pau do Estrela do Mar.

Estava na cara que aquilo ia ser uma roubada.

Dei uma desculpa qualquer e me livrei da encrenca.

Umas duas semanas depois, encontro casualmente o Paulo Cabeça no restaurante do Cecomiz.

– E aí, bicho, como é que foi a excursão pra Ilha da Paciência? – perguntei.

– Ah, foi legal! – devolveu Paulo Cabeça. – A gente empatou de 5 a 5.

– Foi mesmo? – reagi, surpreso. – E quem fez os gols de você?...

– Ninguém! – explicou Paulo Cabeça. – É que quando combinamos o jogo, eles nos deram cinco gols de vantagem...

188 GAROTO ESPERTO


Ailton Santa Fé e Simão Pessoa

Setembro de 1980. Todo final de semana, o estiloso Ailton Santa Fé aparecia no Top Bar pilotando um carro diferente: Puma GTB, MP Lafer, Maverick V8, Opala Diplomata, Miúra, Plymouth GTX, Lamborghini, Camaro, Mustang, Impala, Galaxie, o diabo a quatro. Ou o sacana era milionário ou trabalhava em uma revenda de carros de luxo.

O detetive Luiz Lobão foi encarregado de descobrir a presepada.

Na verdade, Santa Fé era dono de uma oficina mecânica na Praça 14, especializada no conserto de carros “fora-de-série”.

Como as ruas de Manaus nunca foram uma maravilha e os postos de gasolina nunca prezaram pela honestidade, o que não faltavam eram clientes para o mecânico.

Uma tarde de sábado, Luiz Lobão presenciou uma cena na oficina mecânica, que devia se repetir toda semana.

Por volta das cinco horas, um sujeito desceu do banco do carona de uma pick-up El Camino e se dirigiu ao mecânico:

– Mano, ontem eu deixei o meu Karmann-Ghia aqui com problema no carburador e gostaria de saber se já está pronto?

– Porra, compadre, o problema do teu carro é mais sério do que eu pensava. Nós já arriamos o motor e estamos analisando peça por peça... – avisou Santa Fé, enquanto limpava as mãos sujas de graxa em uma toalha imunda.

– Sério? – indagou o sujeito. – Eu pensei que fosse só carburador sujo...

– Eu também! – avisou o mecânico. – Mas a grampola da parafuseta derreteu por superaquecimento e empenou a trava transversal do jiguelê de baixa...

O sujeito ficou boquiaberto.

Santa Fé mostrou o Karmann-Ghia suspenso em um macaco hidráulico e mostrou o motor da máquina no chão.

Chutando o motor levemente com a ponta do pé, o mecânico deu o cheque mate:

– Eu estou trabalhando pessoalmente nessa onça, mas acho que só vai dar pra ficar pronto na segunda-feira de manhã...

Sem esconder o desapontamento, o sujeito embarcou de volta na pick-up El Camino e foi embora.

O mecânico foi mexer no carburador de um imponente Camaro LT.

Meia hora depois, Santa Fé desceu o Karmann-Ghia do macaco hidráulico, apanhou o motor no chão do jeito que estava, reposicionou o motor no lugar, apertou meia dúzia de parafusos, entrou no carro e deu na chave. O motor roncava que era uma beleza.

– Entra aí, Luiz Lobão, que nós já temos um carango pra rodar no fim de semana... – disparou o mecânico.

Luiz Lobão embarcou no Karmann-Ghia e Ailton Santa Fé foi lhe deixar no Top Bar.

O reluzente Karmann-Ghia amarelo se transformou no carro oficial do crioulo estiloso durante aquele fim de semana.

Na semana seguinte, ele pegaria outro carango ainda mais estribado do que aquele. Bastava aplicar o mesmo golpe.

189 PAI DE SANTO DA PESADA


João Curió, Zé Bandeira, Paulo Anastácio e Lucas Bandeira

Mais embriagado do que de costume, o boêmio Zé Bandeira estava se dirigindo para sua residência, no bairro de São Francisco, quando uma vizinha, nervosíssima, o abordou no meio da rua.

– Zé, me acuda, pelo amor de Deus! A minha irmã diz que recebeu a caboca Mariana e está quebrando tudo lá dentro de casa – avisou a senhora.

O boêmio nem discutiu. Entrou imediatamente na casa da vizinha e se dirigiu para um dos quartos da residência, onde uma mocinha com jeito de Linda Blair no filme “O Exorcista” emitia ruídos indecifráveis e olhava feio pra todo mundo.

Diante da garota, ele começou a desabotoar a braguilha da calça e foi logo avisando:

– Se for pomba-gira, vai girar na pomba!

Quando a menina viu o taco de beisebol sendo colocado pra fora, deu um grito horripilante e saiu do suposto transe mediúnico.

A caboca Mariana tinha se mandado com medo da besteira.

193 ÁUREO VACILÃO


Cobra parada não engole sapo, barqueiro!

Julho de 1986. Diretor da fábrica de relógios Quartz Elétron, uma das empresas do Grupo Mondaine, o advogado Décio Aparecido Fuschi era fanático por futebol e resolveu montar uma equipe para disputar o campeonato industriário do Sesi.

Funcionário da empresa, o despachante Epitacinho Almeida, cunhado do Mário Adolfo, transferiu a tarefa de montar a equipe para Áureo Petita, que ele próprio havia contratado para trabalhar no almoxarifado.

Áureo foi conversar com Décio e recebeu carta branca para contratar os melhores “peladeiros” disponíveis no mercado.

Todos eles seriam contratados para trabalhar na empresa.

Áureo Petita indicou a contratação do ex-lateral direito fastiano Antonio Piola, na época um respeitado professor de Educação Física, para ser o técnico do time.

Décio concordou.

Os dois, Áureo e Antonio Piola, foram conversar com o velho treinador nacionalino Barbosa Filho, que indicou o nome de vários jogadores do juvenil do Nacional.

Todos eles foram contratados pela Mondaine: o goleiro Tide, os laterais Edmilson (filho do brilhante meio-campista Dermilson) e Nildo, os zagueiros Pedro Jabuti e Serenildo (filho do respeitado massagista Valdir) e o atacante Beré.

Áureo indicou o volante Edmilson II (ex-Tuna Luso) e um amigo do bairro, o atacante Nilo, que depois seria jogador profissional de futebol de salão na Espanha, onde vive até hoje.

Antonio Piola contratou o ponta de lança Ricardo (irmão do ex-goleiro nacionalino Zé Carlos) e Paulinho.

Era uma verdadeira seleção.


O time da Quartz-Mondaine foi a sensação do campeonato industriário daquele ano, tendo vencido todas as partidas disputadas.

O jogo final foi contra a forte equipe da Springer da Amazônia, que tinha como treinador Paulo Feitosa e craques de muito talento como Sildomar, Cortez, Pepira e Saraiva.

O time da Quartz-Montaine venceu por 3X1, gols de Aúreo Petita (2) e Nilo, se sagrando pela primeira vez campeã do evento.

No ano seguinte, o time repetiria o feito se sagrando bi-campeão da competição, dessa vez reforçado por novos jogadores indicados pelo Áureo Petita: Paulo Menudo, Carioca, Paulo César (ex-Murrinhas), Toya, Luiz Florêncio, Pavão e Luiz Roberto.

O advogado Décio Fuschi ficou tão empolgado com o craque Áureo Petita, que o transformou em uma espécie de secretário informal.


Um dia, Áureo Petita foi chamado a sala do diretor.

Apontando para uma série de produtos eletroeletrônicos (filmadoras, aparelhos de videocassete, máquinas fotográficas, relógios digitais, etc) empilhados em uma mesa, Décio cantou a pedra:

– A minha namorada está na cidade, hospedada no apartamento 1102 do hotel Taj Mahal, lá no centro. Você vai lá, pessoalmente, entregar esses objetos para ela!

O craque não se fez de rogado.

Meia hora depois, estava apertando a cigarra do apartamento.

Uma mulher deslumbrante, vestida apenas com uma lingerie de seda azul e uma sandália de salto alto, abriu a porta e pediu para ele entrar.

– Você deve ser o craque do time da Mondaine, não é? – ela perguntou amistosamente. “O Décio fala muito de você. No dia em que visitar o Rio de Janeiro, apareça lá em nossa casa, na Barra da Tijuca, que será um imenso prazer tê-lo como hóspede!”

Áureo Petita limitava-se a sorrir timidamente enquanto descarregava as tralhas no apartamento, completamente hipnotizado pela aparição daquela mulher deslumbrante.

Ele ainda não havia ligado o nome a criatura, mas ela já era conhecida em todo o País por desfiles apoteóticos no Sambódromo do Rio e por ensaios fotográficos nus que revelavam os dotes que a natureza lhe deu.


A namorada do Décio era simplesmente a modelo Luma de Oliveira.

Filha caçula de uma família de seis irmãos, natural de Nova Friburgo, na região serrana do Rio, Luma estreou na carreira de modelo aos 16 anos, quando já se mudara para Niterói.

O irmão Men de Oliveira substituiu seu pai como tutor.

Foi uma das irmãs, a já consagrada Ísis de Oliveira, que lhe abriu as portas.

Durante um ano, ela telefonou para as agências fazendo propaganda da caçula.

Em 1987, Luma estreou na novela “O Outro” e, em seguida, atuou em “Meu Bem, meu Mal”, em 1991.

“Se tivesse seguido a carreira, poderia ter se tornado a nossa Julia Roberts”, elogiou Aguinaldo Silva, autor de “O Outro”.

Luma também fez dois filmes dos Trapalhões e protagonizou “Boca de Ouro”, de Walter Avancini, em 1989.


Na sequência da fama, Luma Oliveira trocou Décio Fuschi pelo socialite Antenor Mayrink Veiga, que depois foi trocado pelo jogador Renato Gaúcho, que depois foi trocado pelo empresário Eike Batista, com quem se casou em 1991.

A história de seu casamento com o empresário não deixou nada a dever a um conto de fadas.

Eike abandonou sua noiva, a socialite Patrícia Leal, com quem já se casara no religioso, a uma semana da união civil.

O anúncio caiu como uma bomba na alta sociedade carioca.

Convites distribuídos e presentes recebidos, o filho do ex-ministro Eliezer Batista abandonou tudo para ficar com Luma.

Ela recebeu a notícia minutos antes de entrar na passarela para mais um de seus desfiles.

“Eu só sabia que ele tinha uma namorada, mas nem desconfiava de quem se tratava”, garantiu Luma.

Dois anos depois, Patrícia casou-se com Antenor Mayrink Veiga, ex-namorado de Luma, após o Vaticano anular seu casamento com Eike.

Eike e Luma casaram-se no civil, três meses depois, em uma cerimônia para 200 convidados na cobertura onde o noivo morava, no Jardim Botânico.

“De tão apaixonados, foram embora antes da festa acabar”, relembrou Helena Brito Cunha, que organizou a recepção.

Prestes a ter seu nome incluído no livro Sociedade Brasileira, que reúne a nata dos socialites, Eike foi descartado ao deixar Patrícia no altar.

“Se tivesse casado com ela, teria sido incluído”, diz a autora Helena Gondim. “Não faria sentido depois que se casou com Luma.”


Na época, a modelo terminara um romance com o atacante Renato Gaúcho.

“Acho ela demais”, diz até hoje o jogador.

Ele acabou causando um mal-estar a Luma por ter contado detalhes do romance em uma entrevista à revista Interview, em 1992, quando a modelo já estava casada.

“Só disse a verdade”, desculpa-se ele.

Quer dizer, já que a modelo gostava tanto de jogadores de futebol, o Áureo Petita bem que podia ter se enxerido para ela, no dia em que a conheceu pessoalmente.

Craque por craque, ele sempre jogou muito mais bola do que o marrento Renato Gaúcho.

Quem algum dia o viu jogando, sabe disso.

Se a Luma Oliveira desse bola, ele teria ganho o dia e o Décio nunca ficaria sabendo de nada.

Se levasse um toco da modelo, o máximo que aconteceria seria perder também o emprego e a amizade do Décio.

Só que naquela época o que não faltava era emprego para craque de pelada nas fábricas do Distrito Industrial.

Aureo Petita não ficaria desempregado uma semana.

Em outras palavras, o craque do Murrinhas cometeu um vacilo imperdoável!

Deve estar arrependido até hoje.

195 DE SÃO FRANCISCO PARA O MUNDO


Fevereiro de 1986. Nascido em Codó (MA), mas morando no bairro de São Francisco, em Manaus, desde os dois anos de idade, um raquítico moleque procura o técnico Waldemar Bahia e pede para participar da “peneira” da escolinha de futsal do ABC. O técnico não coloca muita fé naquele moleque mirradinho e cabeçudo, que mal completara dez anos, mas, ainda assim, o coloca para jogar de pivô. 

Em menos de cinco minutos, o moleque mirradinho e cabeçudo já havia feito três gols e mostrava um repertório de dribles de tirar o fôlego. Foi aprovado na “peneira” e virou titular absoluto no time infantil do ABC. O moleque raquítico se chamava Francinaldo Sena de Souza, mas Waldemar Bahia o apelidou de “França” e foi com esse nome que ele entrou para a história do futebol brasileiro.

Com uma paciência infinita, Waldemar Bahia ensinou o moleque a cabecear de olhos abertos, treinar chutes com os dois pés, controlar a bola sem olhar pro chão e nunca se descuidar do treinamento físico. Jogando de pivô, França foi campeão e artilheiro do campeonato amazonense infantil e juvenil de futsal, sempre jogando pelo ABC. 

Ainda adolescente, decidiu deixar o futsal e se dedicar ao futebol de campo, já que pretendia se profissionalizar como jogador de futebol. Waldemar Bahia o aconselhou a procurar o Nacional, um dos poucos clubes locais a investir nas divisões de base.

Em 1993, aos 17 anos, França foi fazer um teste no juvenil do Nacional e foi reprovado. O rabugento técnico Leo Graúna o colocou pra jogar apenas cinco minutos, na posição de meia-armador. “Eu nem toquei na bola e ele me tirou logo de campo. Não deu pra entender nada!”, relembrou. 

O jogador chegou a confidenciar para Waldemar Bahia que não acreditava que tinha sido dispensado do Nacional daquele jeito.

Por sugestão de Bahia, ele resolveu voltar ao Nacional para fazer um novo teste. Deu muita sorte. O rabugento Leo Graúna estava comandando o treinamento em companhia de seu auxiliar Paulo Cézar Nogueira. 

De repente, Graúna teve que abandonar o treino para resolver um problema na sede do clube. Graças ao auxiliar Paulo Cézar Nogueira, França entrou em campo na posição de centroavante. “O nosso time ganhou de 6 a 1 e eu fiz todos os gols. Daí o auxiliar falou para o Graúna o que eu havia feito em campo e ele me deixou jogar no outro treino, onde fiz mais dois gols. Depois disso, não teve jeito: ele teve que se render ao meu bom futebol e me inscreveu para disputar o campeonato juvenil”, recorda França.


Em 1994, França foi campeão juvenil pelo Nacional disputando a final contra o Fast Clube. O Nacional ganhou de 2 a 0, com dois gols de França. 

Aliás, naquele ano, ele foi o artilheiro absoluto do time e da competição: fez 28 gols dos 31 marcados pelo Nacional em todo o campeonato. 

Foi logo convocado para participar do time profissional do Leão Azul. 

O cabuloso centroavante não chegou a ser titular do Nacional: no começo de 1995, ele foi vendido para o XV de Jaú e, no final do ano, foi revendido ao São Paulo Futebol Clube.

Em 1996, mesmo na reserva de Muller durante o campeonato paulista daquele ano, França, que sempre entrava quase no fim do segundo tempo, marcou oito gols, sendo que um deles foi um golaço de bicicleta contra o Rio Branco, em pleno estádio do Pacaembu. 

O moleque de 20 anos acabou conquistando a torcida tricolor. 

Em 323 partidas pelo São Paulo, França fez 182 gols, marca que o registra como o 4º maior artilheiro da história do clube e a 11ª melhor média de gols do clube (0,56 gol por jogo). 

Ele está atrás apenas de Serginho Chulapa (242), Gino (232) e Teixeirinha (184), mas à frente de Mueller (158), Leônidas da Silva (140), Raí (128) e Pedro Rocha (121).

Entre outros títulos, França conquistou dois campeonatos paulistas, em 1998 e 2000 – sendo artilheiro em ambas as competições, com 12 e 18 gols, respectivamente – e um Torneio Rio-São Paulo, onde foi novamente o artilheiro, com seis gols. 

Os seus muitos gols, sua explosão em campo (era um atacante raçudo, que não tinha medo de cara feia), sua habilidade com a bola nos pés e suas preciosas assistências lhe renderam algumas convocações para a seleção brasileira, entre os anos de 2000 e 2001. 

Em um amistoso entre Brasil e Inglaterra, em maio de 2000, França fez o gol brasileiro no empate de 1 a 1, no histórico estádio de Wembley.

Em 2002, França continuou marcando muitos gols pelo São Paulo, sendo mais uma vez artilheiro do Torneio Rio-São Paulo com 19 gols (o São Paulo ficou com o vice-campeonato). 

No entanto, em uma partida contra o Corinthians pelas semifinais da Copa do Brasil, França sofreu uma grave lesão, que fez com que ele acabasse não sendo convocado para a Copa do Mundo de 2002, no Japão.

Depois de um tratamento intensivo, França assinou contrato com o Bayer Leverkusen, da Alemanha. O valor da sua transferência para o clube alemão foi de 12 milhões de dólares. 

Infelizmente, no Bayer Leverkusen, França não repetiu as atuações que fazia pelo São Paulo, chegando a amargar o banco de reservas durante várias partidas. Ele fez 71 jogos e apenas 21 gols no total, uma média baixíssima para um centroavante respeitado no mundo inteiro. 

Apesar de tudo, França foi considerado um dos melhores assistentes da Bundesliga pela imprensa alemã, tendo dado cerca de 37 passes que se converteram em gols.


Em maio de 2005, França realizou sua última partida pelo clube alemão. 

Em agosto daquele ano, ele não renovou seu contrato com o Bayer Leverkusen e se transferiu para o Kashiwa Reysol, do Japão. Sua chegada, entretanto, não ajudou a equipe a escapar do rebaixamento para a segunda divisão japonesa. 

No ano seguinte, França permaneceu no Kashiwa Reysol e, por meio de seus gols (foi o artilheiro do campeonato da segunda divisão, com 32 gols), ajudou sua equipe a voltar à elite de futebol japonesa. 

Após cinco anos no Japão, ele rescindiu contrato com o clube em julho de 2010 e retornou para o Brasil. Atualmente, o ex-jogador do ABC mora em São Paulo.