José Roberto, Jair Mendes e seu filho Jairzinho no galpão dos Ciganos
Dezembro
de 1986. O estudante de engenharia Chico Costa era o responsável pelo cálculo
de estrutura dos carros alegóricos do GRES Andanças de Ciganos. O advogado
Vilson Benayon e a engenheira florestal Simone Pessoa, na época presidente e
vice-presidente da escola, respectivamente, contrataram um carnavalesco chamado
Jair Mendes que, segundo eles, fazia misérias no Festival de Parintins.
Os
manauaras só iriam ouvir falar em Jair Mendes, o mágico por trás dos truques
dos bumbás Garantido e Caprichoso, quase dez anos depois.
Com
aquele jeito de quem não quer nada, Jair Mendes começou a desenhar os carros e
explicar como eles se movimentariam na Avenida Djalma Batista. O enredo da
escola naquele ano, “Os Deuses do Olimpo”, começava nas ferozes guerreiras
Amazonas, da Ásia Menor, passava pelos deuses do Monte Olimpo, pelos incas,
pelos maias, pelos conquistadores espanhóis, pelo mítico reino El Dorado e
acabava nas icamiabas, lá em Nhamundá. Era uma viagem só.
O
papel do Jair Mendes era criar. Chico Costa que se lascasse, calculando quantos
destaques podiam caber sobre um carro alegórico e quantas rodas o carro teria
de ter para se movimentar.
Um
dos carros (uma megaconstrução de 32 m² de base, intitulada “Monte Olimpo”) precisou
de 48 rodinhas – que, na época, eram simples “rolamentos”, aquelas rodinhas de
aço, cheia de esferas, usadas nas caixas de transmissão dos automóveis.
O
carro alegórico “Monte Olimpo”, cheio de planos interpostos onde ficariam os
destaques, conseguiu ser rebocado até ser posicionado ao lado do cemitério São
João Batista, lugar da concentração.
Como
seria o segundo carro a entrar na avenida, estava tudo nos conformes. A torcida
era saber se o abre-alas, com um Pégaso se movimentando furiosamente para os
dois lados e soltando fumaça pelas narinas (ninguém nunca tinha visto um troço
daquele antes, cortesia do Jair Mendes!), iria conseguir entrar na avenida.
Quando
o “Monte Olimpo” foi armado (Zeus estava a cinco metros do chão, Ártemis, a um
metro, o restante dos deuses – Ares, Poseidon, Afrodite, Hades, Apolo, Deméter,
Hermes, etc. – estavam distribuídos na base), o peso do carro alegórico
simplesmente fez as rodinhas mergulharem no asfalto.
Quando
a turma começou a empurrar o carro, as rodinhas continuaram presas no asfalto –
a maioria dos pregos que as sustentavam na madeira optaram por desistir daquela
luta inglória.
O
carro conseguiu ser rebocado para o meio da rua com um terço das rodas
originais – as demais ficaram enterradas no asfalto. Sem as rodinhas faltantes,
aquele carro alegórico não servia mais pra porra nenhuma porque perdera a
mobilidade.
O
impasse era o seguinte: ou os deuses do Olimpo desciam dos pedestais e
desfilavam a pé na avenida como mortais comuns, o que era simplesmente
repugnante, ou o carro iria descer a avenida com ou sem rodas. Os ciganos
fizeram a opção correta de o carro descer “com ou sem rodas”.
Não
era uma tarefa muito fácil e a técnica precisava ser explicada em tempo real.
Seria tipo carregar uma liteira. A diferença era de que a tal liteira pesava
quase duas toneladas. Cinquenta caboquinhos se apresentaram como voluntários,
muitos deles de bermudas ou calção vagabundo, sem camisa e descalços. Eram os
torcedores da escola de samba que moravam no Bodozal da Maués e estavam ali só
para prestigiar o desfile. Nunca imaginaram descer a avenida.
Pois
foram esses sujeitos humildes e extremamente solidários que levaram no muque o
carro alegórico “Monte Olimpo” por toda a extensão da avenida. A cada quinze
metros, um sujeito apitava. Eles colocavam a “liteira” no chão. Alguns minutos
depois, dois apitos. Eles levantavam a liteira. Três apitos. Eles começavam a
caminhar levando a liteira. Novo apito. Eles paravam e colocavam a liteira no
chão.
Apesar
dos percalços, o desfile transcorreu dentro da maior normalidade possível, com
Carlinhos de Pilares dando um show de interpretação e as arquibancadas
começando a entoar o grito de “é campeã!, é campeã!”.
Mas
aí, um coiote da pata branca, provavelmente a soldo do GRES Mocidade de
Aparecida, percebeu que a porta-bandeira estava bailando com o pavilhão da
Acadêmicos de Pilares, comunicou a presepada aos jurados, que se encarregaram
de colocar água no chope dos ciganos, descontando dois pontos da exibição do
casal.
No
júri paralelo da rede Calderaro de Comunicação, o GRES Andanças de Ciganos fez
barba, cabelo e bigode, e conquistou o Estandarte de Ouro. No júri oficial,
perdeu por dois pontos para a Aparecida, que também havia dado um verdadeiro
show.
Ainda
hoje, aquele vice-campeonato da escola é considerado uma das maiores injustiças
já ocorridas na história do carnaval amazonense. Choses.
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