segunda-feira, 1 de junho de 2015

213 MONTE OLIMPO


José Roberto, Jair Mendes e seu filho Jairzinho no galpão dos Ciganos

Dezembro de 1986. O estudante de engenharia Chico Costa era o responsável pelo cálculo de estrutura dos carros alegóricos do GRES Andanças de Ciganos. O advogado Vilson Benayon e a engenheira florestal Simone Pessoa, na época presidente e vice-presidente da escola, respectivamente, contrataram um carnavalesco chamado Jair Mendes que, segundo eles, fazia misérias no Festival de Parintins.

Os manauaras só iriam ouvir falar em Jair Mendes, o mágico por trás dos truques dos bumbás Garantido e Caprichoso, quase dez anos depois.

Com aquele jeito de quem não quer nada, Jair Mendes começou a desenhar os carros e explicar como eles se movimentariam na Avenida Djalma Batista. O enredo da escola naquele ano, “Os Deuses do Olimpo”, começava nas ferozes guerreiras Amazonas, da Ásia Menor, passava pelos deuses do Monte Olimpo, pelos incas, pelos maias, pelos conquistadores espanhóis, pelo mítico reino El Dorado e acabava nas icamiabas, lá em Nhamundá. Era uma viagem só.

O papel do Jair Mendes era criar. Chico Costa que se lascasse, calculando quantos destaques podiam caber sobre um carro alegórico e quantas rodas o carro teria de ter para se movimentar.

Um dos carros (uma megaconstrução de 32 m² de base, intitulada “Monte Olimpo”) precisou de 48 rodinhas – que, na época, eram simples “rolamentos”, aquelas rodinhas de aço, cheia de esferas, usadas nas caixas de transmissão dos automóveis.

O carro alegórico “Monte Olimpo”, cheio de planos interpostos onde ficariam os destaques, conseguiu ser rebocado até ser posicionado ao lado do cemitério São João Batista, lugar da concentração.

Como seria o segundo carro a entrar na avenida, estava tudo nos conformes. A torcida era saber se o abre-alas, com um Pégaso se movimentando furiosamente para os dois lados e soltando fumaça pelas narinas (ninguém nunca tinha visto um troço daquele antes, cortesia do Jair Mendes!), iria conseguir entrar na avenida.

Quando o “Monte Olimpo” foi armado (Zeus estava a cinco metros do chão, Ártemis, a um metro, o restante dos deuses – Ares, Poseidon, Afrodite, Hades, Apolo, Deméter, Hermes, etc. – estavam distribuídos na base), o peso do carro alegórico simplesmente fez as rodinhas mergulharem no asfalto.

Quando a turma começou a empurrar o carro, as rodinhas continuaram presas no asfalto – a maioria dos pregos que as sustentavam na madeira optaram por desistir daquela luta inglória.

O carro conseguiu ser rebocado para o meio da rua com um terço das rodas originais – as demais ficaram enterradas no asfalto. Sem as rodinhas faltantes, aquele carro alegórico não servia mais pra porra nenhuma porque perdera a mobilidade.

O impasse era o seguinte: ou os deuses do Olimpo desciam dos pedestais e desfilavam a pé na avenida como mortais comuns, o que era simplesmente repugnante, ou o carro iria descer a avenida com ou sem rodas. Os ciganos fizeram a opção correta de o carro descer “com ou sem rodas”.

Não era uma tarefa muito fácil e a técnica precisava ser explicada em tempo real. Seria tipo carregar uma liteira. A diferença era de que a tal liteira pesava quase duas toneladas. Cinquenta caboquinhos se apresentaram como voluntários, muitos deles de bermudas ou calção vagabundo, sem camisa e descalços. Eram os torcedores da escola de samba que moravam no Bodozal da Maués e estavam ali só para prestigiar o desfile. Nunca imaginaram descer a avenida.

Pois foram esses sujeitos humildes e extremamente solidários que levaram no muque o carro alegórico “Monte Olimpo” por toda a extensão da avenida. A cada quinze metros, um sujeito apitava. Eles colocavam a “liteira” no chão. Alguns minutos depois, dois apitos. Eles levantavam a liteira. Três apitos. Eles começavam a caminhar levando a liteira. Novo apito. Eles paravam e colocavam a liteira no chão.

Apesar dos percalços, o desfile transcorreu dentro da maior normalidade possível, com Carlinhos de Pilares dando um show de interpretação e as arquibancadas começando a entoar o grito de “é campeã!, é campeã!”.

Mas aí, um coiote da pata branca, provavelmente a soldo do GRES Mocidade de Aparecida, percebeu que a porta-bandeira estava bailando com o pavilhão da Acadêmicos de Pilares, comunicou a presepada aos jurados, que se encarregaram de colocar água no chope dos ciganos, descontando dois pontos da exibição do casal.

No júri paralelo da rede Calderaro de Comunicação, o GRES Andanças de Ciganos fez barba, cabelo e bigode, e conquistou o Estandarte de Ouro. No júri oficial, perdeu por dois pontos para a Aparecida, que também havia dado um verdadeiro show.

Ainda hoje, aquele vice-campeonato da escola é considerado uma das maiores injustiças já ocorridas na história do carnaval amazonense. Choses.

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