Terceiro
filho de uma família de sete irmãos, Antônio Arruda nasceu em 1935, no seringal
Cachoeira do Rio Purus, no município de Lábrea. Em 1950, após o assassinato de
seu pai no seringal Capatará, se mudou, com todos os irmãos
(Marides, João, Mário, Leônidas, Ademar e Terezinha) e sua mãe, para Codajás, vivendo naquela
cidade até 1961.
Como
eram pobres, pobres, pobres de marré, marré, marré, sobreviviam por conta das
doações de peixes de couro, que não eram consumidos pelos ribeirinhos. Rezava a
lenda que os peixes lisos transmitiam hanseníase. Sem nada a perder, a família
Arruda se esbaldava de surubins, pirararas, piraíbas e outros peixes
semelhantes.
Adolescente,
Antônio conseguiu trabalho com os padres americanos que catequizavam os
caboclos da região e foi lotado no convento da cidade. Era um autêntico
faz-tudo: recebia ordens das freiras da Congregação de Jesus e sempre cumpria
as tarefas com muita presteza e dedicação.
Um
dia, ao ser admoestado severamente por uma das irmãs por uma falta que não
cometera, Antônio resolveu se vingar. Calhou de ser justamente o dia de lavar a
caixa-d´água do convento. Injuriado com a “chamada no saco” que levara sem ter
culpa no cartório, o rapaz resolveu mijar dentro da caixa-d’água. Não
satisfeito, tocou uma punheta e deixou cuidadosamente a porra no cano que
puxava a água para dentro do convento. Quando o serviço ficou pronto, gritou lá
de cima:
–
Pode ligar essa porra...
Sabendo
que ele estava mordido, a freira nem o repreendeu pela nova mau criação.
Antônio ficou curtindo, verdadeiramente inebriado, o fato de as freiras estarem
saindo do convento, cheirosas e de banho tomado, levando um pouquinho de sua
urina e esperma pelos corpos livres de pecados. O certo é que ele tomou gosto
pela traquinagem e a higienização da caixa-d’água teve sua frequência aumentada
exponencialmente.
Alguns
meses depois, no entanto, ao ser flagrado roubando cerveja do freezer dos
padres e moedinhas da caixa de esmolas do altar, Antônio foi expulso do
convento, mas conseguiu um emprego na fazenda Quixeramobim, localizada do outro
lado do rio, em frente da cidade. O proprietário era um cearense chamado Chico
Geraldo, que admirado com a habilidade de laçar do moleque não titubeou em lhe
contratar.
Na
fazenda, havia uma garça de criação da família. Ela rondava a casa, comia com
as galinhas e havia, de fato, se tornado um verdadeiro animal doméstico. Fora
batizada de Gracinha porque a pequena ave ciconiforme era o chamego do velho
cearense.
Após
alguns meses de trabalho duro na fazenda e sem retornar à cidade, o adolescente
sentiu falta dos afagos femininos. Ele também andava assustado com aquele
negócio de bater punheta, achava que as irmãs haviam lhe rogado uma praga. Tudo
porque certa vez ele foi tomar banho na fazenda e o banheiro era protegido
apenas por uma porta de zinco. Quando entrou no banheiro, viu a calcinha de uma
certa Silvana estendida em um canto (o nome da garota estava bordado na
calcinha).
Ele
começou a bater uma punheta por conta daquele místico objeto de devoção. De
repente, a tal Silvana puxou a proteção de zinco e o flagrou se deliciando com
o cheiro da calcinha dela, como se estivesse curtindo uma prize de
lança-perfume. Segundo Antônio Arruda, foi a maior vergonha que passou na vida.
Aquilo só podia ser praga das freiras.
Bom,
mas um dia em que todos os moradores da fazenda haviam se ausentado para pescar,
Antônio olhou pra Gracinha de um modo esquisito e daí, usando seus exímios
dotes de laçador, trouxe a bichinha para perto de si e largou a peia. O
bestialismo levou Gracinha ao óbito.
No
fim da tarde, o comboio da pescaria chegou ao rancho da fazenda e se deparou
com a garça morta, embaixo de uma das mesas do refeitório. Foi uma consternação
geral. Todos perguntaram ao Antônio Arruda o que havia acontecido. Ele
desconversou. Disse que não entendia porra nenhuma de aves ciconiformes e que
talvez a garça tivesse morrido do coração ou de algo parecido. Poucos
acreditaram na história, mas não insistiram na investigação.
Terminado
o interrogatório sumário, os demais vaqueiros, juntamente com Antônio Arruda,
foram ao rio para tomar banho. Pelas regras da boa convivência, todos se
banhavam nus. Quando o exímio laçador se despiu, surpresa! Ele ainda tinha
parte da pelugem da garça envolta na chapeleta da jeba.
A
partir dali, seu apelido passou a ser “Colarinho de Garça”, pseudônimo
utilizado inclusive pelo locutor das partidas de futebol disputadas em Codajás,
onde Antônio Arruda se destacava como ponta-direita ciscador. Sem trocadilho.
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