terça-feira, 2 de junho de 2015

184 SUFOCO DE UM GALO CARIJÓ


Giovane Gigio, Ronaldo Redman e Simão Pessoa

Em 1974, o Murrinhas do Egito acabou entre os 64 melhores times do 2º Peladão e conquistamos dois prêmios: Silene, minha irmã, foi a primeira Rainha do certame, e Áureo Petita, o “Craque do Ano”.

Com apenas 20 anos, Áureo recusou vários convites para se profissionalizar e disputar o campeonato amazonense de futebol.

Continuou defendendo vários times no Peladão e participando do campeonato amador pela equipe do Náutico.

Em 1981, o Peñarol, de Itacoatiara, que desde o ano anterior disputava o campeonato profissional amazonense, recrutou alguns jogadores em Manaus para reforçar sua equipe.

Entre os convocados, foram alguns craques amadores do Murrinhas do Egito, da Cachoeirinha, e do Canarinho, de Petrópolis: Lúcio Preto, Nego Irineu, Tobias, Paulo César e Áureo Petita.

Jogando de meia-esquerda, Áureo logo conquistou a torcida do município. Seu entendimento com o centroavante Índio lembrava a dupla Pelé-Coutinho.

O Peñarol estava fazendo uma das melhores campanhas da história, quando os dirigentes dos times da capital resolveram melar a competição.

O Fast Clube, que havia perdido para o Peñarol, descobriu que Áureo ainda era jogador do Náutico e que, por ser amador, não poderia disputar o campeonato de profissionais.

Os pontos perdidos em campo foram reconquistados no Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) e Áureo pegou 60 dias de suspensão.

Os torcedores do Peñarol ficaram revoltados.

Derrotado pelo Nacional, o Peñarol teria de vencer o Rio Negro, em Itacoatiara, ou seria eliminado do quadrangular do 1.º turno e o Fast, que estava fora, entraria por meio do “tapetão”.

A Velha Serpa se preparou para a guerra.

Chefe da torcida do Rio Negro, o atual chefe de Segurança da CMM, Enédio Negreiros, procurou o motorista Ronaldo Redman.

– Ô, negão, tu não quer ganhar um troco?

– Pra quê? – os olhos de Redman brilharam.

– Pra dirigir o ônibus do Rio Negro até Itacoatiara!

Depois de pensar um pouco, Redman aceitou a missão, cobrou um determinado valor pela tarefa, Enédio topou e ficou de lhe passar a grana quando a delegação chegasse na Velha Serpa.

O ônibus era uma “lata velha”, comprido que nem vara de bater pecado, com câmbio do tipo “alavanca suporta-sovaco”. Não desenvolvia mais de 60 km/h.

Em uma manhã de domingo, no horário combinado, Redman assumiu o cockpit da “lata velha”.

Começaram a entrar no ônibus os jogadores, a comissão técnica, os dirigentes e nada do Enédio. Pelo retrovisor, Redman tentava localizar o amigo. Nada.

Lá atrás, em um dos bancos, estava um galo gigantesco, de mais de dois metros de altura, usando o uniforme do clube.

Redman ficou apreensivo. Sem Enédio na parada, de quem ele iria cobrar pela viagem, já que não conhecia ninguém? Pensou em desistir.

Depois, achou melhor fazer o serviço, e, quando retornasse a Manaus, se acertaria com o amigo.

Os jogadores começaram a vestir o uniforme dentro do ônibus e Redman meteu o pé na estrada.

Chegaram ao estádio Floro de Mendonça dez minutos antes da partida começar.

Uma multidão de torcedores do Peñarol aguardava pelo time inimigo, do lado de fora do estádio, formando um imenso corredor polonês na entrada do túnel destinado aos visitantes.

Os jogadores desceram do ônibus correndo e, enquanto atravessavam o corredor polonês, iam recebendo pescoções, chutes na bunda, cusparadas, dedadas e xingamentos desmoralizantes.

O gigantesco galo carijó, andando com as pernas meio abertas, por causa dos esporões de quase 20 centímetros, o que lhe dava um estranho gingado de urubu malandro, foi o último a sair do ônibus.

Quando ele colocou o bico pra fora da porta, um torcedor adversário deu-lhe um murro no meio da fuça. Foi um soco tão violento que esbagaçou o bico do galináceo.

O gigantesco galo carijó caiu de cu-trancado na escada do ônibus e depois embicou no chão. Alguém gritou:

– Pega o galo e pela e joga na panela...

A multidão enfurecida avançou em cima do infeliz. Em vez de entrar no ônibus e trancar a porta para se proteger, o galo carijó, ainda grogue, se levantou do chão e desembestou a correr em direção à saída da cidade, sendo perseguido por mais de cem torcedores armados de mangarás de banana e galhos de cuieira.

No estádio, a partida era interrompida a cada cinco minutos por causa de invasão de campo.

Os torcedores do Peñarol quebraram mais de 200 ovos podres na cabeça dos jogadores rionegrinos e infernizaram a vida do goleiro com morteiros de três tiros.

O Peñarol ganhou de 2 a 1, gols do centroavante Índio e do ponta direita Erasmo para o time da casa, e Raulino para os visitantes.

No retorno do time, um dos dirigentes estranhou a ausência do mascote do clube, que sequer havia entrado em campo. Redman relatou o ocorrido. Pediram que ele metesse o pé na estrada, para resgatar o infeliz.

O galo carijó foi encontrado correndo na rodovia AM-010, dessa vez sendo perseguido por cachorros e crianças armadas de baladeiras, já cruzando o município do Rio Preto da Eva.

Pelo buraco na cara do galináceo, onde antes havia um bico, Redman reconheceu Enédio Negreiros, pálido que nem um defunto e a ponto de colocar os bofes pela boca.

O motorista ficou com tanta pena do galo maratonista que parou o ônibus, embarcou o galináceo, continuou dirigindo a “lata velha” até Manaus e não cobrou um centavo pelo serviço. Enédio lhe deve essa cortesia até hoje.

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