Agosto de 1989. Inocente, puro e besta, Alcides Almeida (aka “Mestre Pajé”) tinha 22 anos quando foi recrutado para servir de “mula” para o tráfico internacional de entorpecentes. O serviço parecia ser uma galinha morta. Ele receberia 10 mil dólares para levar cinco quilos de cocaína para Lisboa.
O
esquema estava todo montado, não tinha como dar zebra. Pelo menos na parte
teórica. Mestre Pajé se deslocaria de Manaus para o Rio de Janeiro levando
apenas uma mochila e de lá seguiria na mesma noite para Lisboa.
Na
capital portuguesa, iria para um hotel no centro da cidade, entregaria a
mochila a um determinado sujeito e retornaria para o Rio de Janeiro no dia
seguinte, voltando de lá para Manaus. Os fiscais alfandegários do Brasil e de
Portugal estavam todos “comprados”, não haveria problema nenhum de
fiscalização.
Quem
não toparia ganhar 10 mil dólares em 24 horas? Pajé topou.
No
Rio de Janeiro, ele despachou a mochila pra Lisboa e ficou aguardando a chamada
do voo internacional. Foi quando viu uma animada roda de pagode acontecendo no
bar do aeroporto.
Batuqueiro
de carteirinha, Pajé pediu pra participar da fuzarca e começou a mostrar suas
habilidades no atabaque, surdo de marcação, tantã, tamborim e caixinha. Virou a
atração da roda de pagode. Quando deu por si, seu avião já havia partido pra
Lisboa.
Pajé
havia ficado em uma bela sinuca de bico. Se voltasse pra Manaus, os donos da
mercadoria poderiam desconfiar de terem levado um “banho” daquele garoto
esperto – e as consequências seriam desastrosas. Era preferível comprar uma
nova passagem, se mandar pra Lisboa no próximo voo e entregar o resto a Deus.
Foi o que ele fez.
Assim
que desceu no aeroporto da Portela do Socavem, em Lisboa, Pajé se dirigiu para
o setor de bagagens de voos internacionais. De longe, percebeu que sua mochila
estava circulando solitariamente em uma das esteiras, sabe-se lá há quantas
horas.
É
evidente que as autoridades portuguesas já haviam revistado a mochila e também
já sabiam do que se tratava. Nenhuma mochila fica rodando impunemente em uma
esteira de aeroporto europeu por mais de seis horas seguidas sem despertar a
paranoia de atentado terrorista.
Inocente,
puro e besta, Pajé apanhou a mochila na esteira, colocou nas costas e se
dirigiu para a saída do aeroporto. Antes de dar dez passos, já havia sido
imobilizado no chão por meia dúzia de brutamontes. Saiu algemado do aeroporto
diretamente para o Estabelecimento Prisional de Lisboa, localizado no Parque
Eduardo VII.
Uma
semana depois, foi julgado sumariamente e recebeu a pena de oito anos de
reclusão, em regime fechado, por tráfico internacional de drogas.
Na
prisão, Pajé fez amizades com vários presos pelo mesmo crime e passou a
trabalhar na limpeza diária das celas dos apenados. Alguns meses depois, ele
participaria da criação de uma banda multirracial (um brasileiro, um
australiano, um haitiano, um americano e um holandês) especializada em covers
do Pink Floyd, Led Zeppelin e U2.
Por
iniciativa do diretor da penitenciária, a banda começou a fazer apresentações
ao vivo em outras penitenciárias, instituições de menores infratores e clubes
de oficiais lusitanos, obtendo um merecido sucesso. Cinco anos depois, a pena
de Pajé seria reduzida em um terço por bom comportamento e, na sequência, ele
seria deportado do país.
Mestre
Pajé retornou a Manaus em 1994 e, no Dia de Natal, foi visitar o Simas Pessoa,
um dos poucos amigos com que costumava trocar correspondência durante suas
“férias forçadas” em terras lusitanas.
Encontrou
Simas no pátio da casa, biritando alegremente na companhia de Zé Alfredo. Na
primeira oportunidade que teve, Zé Alfredo, nervosíssimo, cochichou para o
parceiro de birita:
– Caralho,
Simas, mas a Polícia Federal deve estar monitorando esse cara até agora. Se a
gente bobear, vamos entrar na fita! Puta que pariu, vai ser foda a gente se
foder de graça...
Simas
não deu a mínima. Mestre Pajé fez um relato breve de sua permanência em Lisboa,
recusou polidamente a cerveja oferecida pela dupla e disparou, à queima-roupa:
–
Porra, Simas, eu estou mesmo é a fim de dar um tiro...
Simas
abriu o portão lateral da casa e levou Mestre Pajé até o quintal.
–
Se quiser dar seus tiros, dê aí... Lá na frente da casa, não, que vai ser a
maior sujeira... – avisou.
Dito
isso, ele voltou para o pátio. Zé Alfredo tinha tomado chá de sumiço.
Resumo
da ópera: Mestre Pajé não é Spawn ou Hellboy, mas também voltou inteiro do
inferno. Não é pouca porcaria. Tenho (temos) orgulho dele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário